1.2 - Conceito de Responsabilidade Civil
A palavra "responsabilidade", segundo o vocabulário jurídico origina-se do vocábulo responsável, do verbo responder, do latim respondere, que tem o significado de responsabilizar-se, vir garantindo, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou, ou do ato que praticou.
O termo "civil" refere-se ao cidadão, assim considerado nas suas relações com os demais membros da sociedade, das quais resultam direitos a exigir e obrigações a cumprir.
Diante da etimologia das duas palavras acima, bem como das tendências atuais a respeito da responsabilidade civil, vejamos a conceituação da Professora Maria Helena Diniz para o assunto:
"A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ele mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal." (Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, 7. ed., São Paulo, 1993).
Portanto, verifica-se a existência de requisitos essenciais para a apuração da responsabilidade civil, como a ação ou omissão, a culpa ou dolo do agente causador do dano e o nexo de causalidade existente entre ato praticado e o prejuízo dele decorrente.
A Responsabilidade Civil como categoria jurídica(2) que é, tem por escopo (*visão) a análise da obrigação de alguém reparar o dano que causou à outrem, com fundamento em normas de Direito Civil.
Os alicerces jurídicos em que se sustenta a responsabilidade civil, para efeito de determinar a reparação do dano injustamente causado, são oriundos da velha máxima romana neminem laedere (não lesar a ninguém).
O uso da expressão responsabilidade civil ganhou o mundo, não só porque a diferencia da responsabilidade criminal, mas também em razão de ser apurada no juízo cível. É, portanto, na esfera do Direito Civil, que se indaga, tramita, litiga e decide para que se exija a reparação civil, que vem a ser a sanção imposta ao agente ou responsável pelo dano.
1.4 - Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva
O Código Civil Brasileiro é de 1916, e adotou a doutrina da culpa como princípio da responsabilidade civil, em seu Livro III, Título II, Art. 159, onde estabeleceu o seguinte, in verbis:
Art. 159. Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553.
Portanto, verifica-se a existência de quatro requisitos essenciais para a apuração da responsabilidade civil subjetiva, senão vejamos:
a) a ação ou omissão; |
b) culpa ou dolo do agente; |SUBJETIVA
c) o nexo de causalidade; |
d) o dano sofrido pela vítima. |
Constata-se que, o dispositivo legal retrata os casos de responsabilidade aquiliana, isto é, assegura o castigo à pessoa que causa um dano a outrem, obrigando-a a ressarcir os prejuízos dele decorrentes.
Todavia, cabe uma análise mais detalhada de cada um dos requisitos essenciais supraditos. Assim sendo, o art. 159, quando fala da ação ou omissão, refere-se a qualquer pessoa, isto é, por ato próprio ou ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente, bem como os danos causados por animais ou coisas que lhe pertençam.
Em seguida, o mesmo dispositivo trata do dolo quando se refere à ação ou omissão voluntária, para, em seguida, referir-se à culpa, quando fala em negligência ou imperícia, que deve ser provada pela vítima.
Em igual raciocínio, a Lei fala do nexo de causalidade, que é a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano sofrido pela vítima, pois sem ela não há que se falar em obrigação de indenizar.
Finalmente, o dano deve ser demonstrado, seja ele material ou moral, pois sem sua prova, o agente não pode ser responsabilizado civilmente.
Essa teoria adotada pelo Código Civil Pátrio, cujo pressuposto para o fundamento da responsabilidade é a culpa, denomina-se Teoria da Responsabilidade Subjetiva ou Teoria da Culpa.
No Brasil, o ilustre Caio Mário da Silva Pereira, foi um dos líderes do pensamento que demonstrava a falta de sintonia entre a Teoria Subjetiva e o desenvolvimento da sociedade, haja visto que, em vários casos, a adoção da Teoria da Culpa mostrava-se inadequada para abranger todas as situações de reparação. Essa inadequação era verificada nos casos em que, a aferição das provas constantes nos autos, não eram convincentes da existência da culpa, muito embora se admitisse que a vítima foi realmente lesada, e que existia supremacia econômica e organizacional dos agentes causadores do dano.
Portanto, diante da exigência da prova do erro de conduta do agente, imposta à vítima, deixava-a sem a devida reparação em inúmeros casos.
Diante da situação acima ilustrada, cresceu no mundo, o movimento de extensão da responsabilidade, criando o esboço e estrutura à Teoria da Responsabilidade sem culpa.
A doutrina e a jurisprudência admitiram que a responsabilidade civil, baseada na prova da culpa, não oferecia réplica satisfatória à solução de inúmeras demandas.
Diante da situação acima ilustrada, cresceu o movimento de extensão da responsabilidade, dando esboço e corpo à Teoria da Responsabilidade Civil sem culpa.
Partindo desse ponto, surge a Teoria da Responsabilidade Objetiva ou Teoria do Risco, na qual não há que se fazer prova da culpa, mas apenas do nexo de causalidade e do dano, conforme o ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves(9), transcrito adiante:
"A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz que a responsabilidade é legal ou ‘objetiva", porque prescinde da culpa esse satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo o dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa".
O Professor Rui Stoco(10) observa o pioneirismo de Alvino Lima na defesa da Teoria da Responsabilidade Objetiva no Direito Brasileiro, em tese apresentada na Faculdade de Direito da USP em 1938, intitulada "Da Culpa ao Risco", na qual além de defender a Teoria Objetiva, responde aos argumentos adversários.
Caio Mário da Silva Pereira, é um dos autores que nos presenteou com um excelente conceito para o risco, sendo tal exposição citada na obra do Dr. Rui Stoco(11), conforme abaixo transcrito
"É o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos independente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado."
Assim, estabelecidas as distinções entre Responsabilidade Objetiva e Subjetiva, observamos que a responsabilidade do mandatário judicial (Advogado) é subjetiva, pois é verificada mediante a verificação de culpa, consoante o que determina o art. 1.300 do Código Civil Brasileiro.
DECISÃO DO TJ(SP)
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
RESPONSABILIDADE CIVIL - Banco - Acidente ocorrido dentro de estabelecimento bancário pela ausência de conservação de escada de acesso ao público -Culpa in vigilando caracterizada - Indenização devida pelos danos patrimoniais, com pensionamento vitalício - Voto vencido.
Ementa da Redação: O estabelecimento bancário que com manifesta incúria (*desleixo) não conserva escada de acesso ao público, deve responder, por culpa in vigilando , ao acidente ali ocorrido, devendo indenizar a vítima pelos danos patrimoniais, com pensionamento vitalício.
Ap 22.730.4/7- 2.ª Câm. - j. 05.05.1998 - rel. Des. Francisco de Assis Vasconcellos Pereira da Silva.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos de ApCiv 22.730.4/7, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes e apelados Banco Itaú S/A e Maria da Graça Mascarenhas Ramos: Acordam, em 2.ª Câm. de Direito Privado do TJSP, por maioria de votos, negar provimento ao recurso do réu e, por v.u., prover parcialmente o recurso da autora, de conformidade com o relatório e voto do relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores Osvaldo Caron (vencedor) e Theodoro Guimarães (vencido, com declaração).
São Paulo, 5 de maio de 1998 - FRANCISCO DE ASSIS VASCONCELLOS PEREIRA DA SILVA, pres. e relator, com a seguinte declaração.
RELATÓRIO - Ação indenizatória de danos patrimoniais decorrentes do acidente sofrido pela vítima no estabelecimento réu, quando caiu duma escada. A r. sentença decretou a procedência e condenou o réu no pagamento das despesas médicas, além de fixar pensão mensal, em virtude da perda da capacidade laborativa, devida desde o evento. Apelam tempestivamente ambas as partes.
O apelo da autora bate-se pela condenação nos lucros cessantes, bem como na obrigação de custear seguro-saúde em benefício da apelante, com vistas a futuro tratamento das seqüelas do acidente. Pleiteia a majoração da verba honorária, a incidir na forma do § 5.º do art. 20 do CPC.
As razões ofertadas pelo réu, por sua vez, argumentam com o caso fortuito e a não comprovação dos prejuízos. Inocorrente, ainda, culpa da apelante, haja vista que construída a escada donde a autora caiu, consoante preconiza o Código de Edificações.
Recursos respondidos e preparados.
O agravo retido interposto a f. não foi suscitado pelo réu.
VOTO - 1. A r. sentença aprofundada na análise probatória, com todo acerto aplicou o Direito incidente na espécie. E só merece reforma, em parte, no tocante ao apelo da autora, quanto à fixação dos honorários advocatícios de sucumbência.
2. Os lucros cessantes postulados na apelação da autora, bem compreendida sua natureza, acham-se inseridos na condenação, apesar da ausência de referência explícita.
Tal espécie de danos, sabidamente, corresponde ao que a vítima deixou de lucrar, no caso vertente em razão do exercício da profissão de médica, interrompido pelo acidente vinculado à ação culposa do apelado, devidos, segundo o art. 1.539 do CC, até a convalescença.
Deveras, a condenação ao pensionamento indenizatório, prevista na r. sentença e baseada nos ganhos pessoais, vai desde o evento até quando a vítima, ora apelante, complete 70 anos de idade, tendo em vista a natureza vitalícia.
Afora (*exceto) tal cogitação, a apelante não provou outras perdas e danos emergentes capazes de positivar lucros cessantes. Assim, a r. sentença não padece (*tolera) de nulidade (CPC, arts. 128 e 460), pois atendeu integralmente ao pedido.
3. O pretendido seguro-saúde é impossível de apreciação, visto que não integra a petição inicial, a que a decisão de mérito está visceralmente (*profundo) adstrita (*ligada).
4. A fixação dos honorários de sucumbência (*acabado), no entanto, se sujeita aos critérios imprimidos no art. 20, § 5.º, do CPC.
Nas ações de indenização por ato ilícito absoluto, extracontratual, contra a pessoa, somam-se às parcelas condenatórias das prestações vencidas o valor do capital necessário a produzir a renda equivalente às prestações vincendas, que podem ser pagas mensalmente, inclusive por consignação em folha de pagamento do devedor.
A inteligência do dispositivo leva à conclusão, na hipótese da consignação em folha de pagamento, não se alterar o critério estabelecido em favor do credor.
Calcula-se o montante do capital bastante à produção da renda para o efeito de apurar a verba honorária, com o acréscimo das parcelas vencidas, pagáveis de uma só vez. De outra forma, o credor seria penalizado no caso de inclusão na folha de pagamento.
Sobreleva notar que na espécie a substituição determinada pela r. sentença não pode reduzir a verba cabente ao advogado da parte.
5. Frente à convincente prova reunida nos autos do processo, densamente esmiuçada pelo MM. Juiz de Direito Morvan Meirelles Costa, as razões do réu apelante não alcançam êxito.
Não restam dúvidas sobre as causas do evento danoso. A apelada precipitou-se da escada do estabelecimento bancário e caiu no subsolo a uma altura de mais de dois metros,pelo vão entre o corrimão e os degraus, em virtude dos defeitos nela existentes e apurados, ou seja, um degrau quebrado de piso polido, e principalmente pela falta de "guarda-corpo". A perícia, aliás, é concludente no pertinente aos defeitos da construção da escada.
6. A defesa do réu e apelante bate-se com denodo na tese da culpa da vítima, que, desatenta, negligente e imprudente, não se apoiou no corrimão da escada, provocando o acidente.
Entretanto, não age culposamente quem galga uma escada ampla, destinada ao público visitante do banco apelante, embora à distância do corrimão. Só as pessoas idosas ou acometidas de dificuldades físicas e mentais buscam maior segurança ao se ampararem no corrimão, no caso desprovido de proteção contra a queda para o pavimento inferior.
É inverossímil (*inacreditável), senão absurdo, que todos quantos subam escadarias se ponham na "obrigação" de agarrar-se ao corrimão, para não cometer ato ilícito.
Por sua idade, profissão, estado de saúde, a vítima não precisava da "muleta" dos corrimões existentes nas extremidades da escada. Aliás, ainda permaneceria mais exposta à queda se caminhasse rente ao corrimão desprotegido de guarda-corpo. E quem sobe pelo meio da escada procede regularmente.
7. Mostra-se palpável a intenção do apelante de increpar responsabilidade à vítima, na tentativa de obter o reconhecimento da culpa concorrente e, assim, diminuir o montante das reparações.
Não há motivo, contudo, para tal reflexão contrária à lógica jurídica e à situação fática dos autos.
A respeito do tema concorrência de culpa, prepondera na literatura do Direito a teoria da "causalidade adequada", exposta com brilho por Aguiar Dias: "O que se deve indagar é, pois, qual dos fatos, ou culpas, foi decisivo para o evento danoso, isto é, qual dos atos imprudentes fez com que o outro, que não teria conseqüências, de si só, determinasse, completado por ele, o acidente. Pensamos que sempre que seja possível estabelecer inocuidade de um ato, ainda que imprudente,se não tivesse intervindo outro ato imprudente, não se deve falar de concorrência de culpa. Noutras palavras: a culpa grave necessária e suficiente para o dano exclui a concorrência de culpas, isto é, a culpa sem a qual o dano não se teria produzido" ( Da responsabilidade civil , 7. ed., v. 2, Forense, p. 772).
Outro especialista na matéria, Martinho Garcez Neto, com amparo nas lições dos irmãos Mazeaud, pontifica: "O que a ciência jurídica tem estabelecido, em definitivo, no campo da responsabilidade civil resultante do ato ilícito é o seguinte: quando uma imprudência ou negligência é provada contra o agente, não há necessidade de investigar além disto; desde que, afastada essa culpa, o dano não se teria verificado, não há necessidade de mais nada para impor a condenação" ( Prática de responsabilidade civil . 2. ed., Jurídica e Universitária Ltda., p. 45).
Nessa ordem claríssima de idéias a autora ora apelada não contribuiu adequadamente para o evento, à vista do acentuado grau de culpa do réu, aqui admitido à unanimidade.
O raciocínio surge intuitivo: ainda que a vítima obrasse com culpa ao assomar os degraus sem se escorar no corrimão, a precipitação ao solo, que a poderia matar, não decorreu desse fato, por isso que inadequado e insuficiente para superar a culpa exclusiva do apelante.
Em abreviado: a causa principal sobrepõe-se às demais, de natureza secundária e não excludentes da culpa. Assim, o ato isolado da autora, por si só, não teria implicado o evento resultante do ato do apelante, razão para o afastamento da concorrência de culpa.
8. A inditosa (*infeliz) queda acarretou lesão com dano grave na coluna vertebral da apelada, com explosão de T 9, "obrigando-a a submeter-se a cirurgia de implante de hastes de sustentação, ainda mantido, resultando - como seqüela permanente - a sua incapacidade laboral, quantificada em total, que restou incontroversamente comprovada, pois atestada pelos peritos judiciais" .
A perícia oficial, isenta de prevenção ou favorecimento, digna de ser acreditada, é categórica em desmentir as seqüelas do tratamento de câncer de mama, realizados pela apelada, incapazes de provocar a incapacidade por ela suportada para as atividades normais, não só para o trabalho.
É manifestamente equivocado o argumento do apelo, no tocante à inocorrência de danos sofridos pela recorrida, que afora a diminuição patrimonial pela perda da capacidade laborativa, está irremediavelmente afetada em sua saúde física e psíquica.
A mera prova das lesões pessoais seria bastante. O dano patrimonial nada mais consiste senão no prejuízo ou perda ocorrida na coisa corpórea ou na pessoa, opondo-se ao de feição moral, a que se soma.
Os danos materiais à pessoa, já que dos morais não houve cogitação, existem e impõem ao apelante a obrigação inexorável (*inabalável) de repará-los de forma ampla, conforme os arts. 159 e 1.518 do CC, tendo em conta a inafastável culpa in vigilando por procedimento imprudente e desidioso (*descaso), alheio aos riscos causados às pessoas que se utilizam daquela escada.
Fato objetivo, perfeitamente comprovado, a lesão sofrida pela autora, se não a impede totalmente de exercer alguma atividade laborativa ligada à profissão, a tanto implica seriíssimas e irreversíveis dificuldades. E - repita-se - não é somente a atividade profissional que está afetada, sem perspectivas de superamento.
Aí estão nos autos depoimentos confirmadores da assertiva, a indicarem que no âmbito do trabalho a autora tornou-se figura decorativa. Leiam-se os esclarecimentos do perito: "... talvez a autora cumpra um horário de trabalho normal sem obrigatoriamente significar que esteja exercendo as suas funções de forma habitual" .
Enfim, o que em verdade basta para indenizar é o dano infligido definitivamente, no todo ou parte, à saúde física e intelectual da pessoa lesada, que jamais será a mesma em sua personalidade humana.
O critério acolhido pela r. sentença afigura-se adequado, até porque, repita-se, abrange os lucros cessantes. Assim, os valores dos ganhos da vítima representam seguro parâmetro para integral reparação dos danos, incluindo-se a perda da capacidade laborativa.
E nada pesa se a autora, num esforço indesmedido, tente exercer sua profissão, o que jamais fará de maneira igual ao tempo anterior ao acidente.
Nessa perspectiva, o nexo etiológico firmado entre o acontecimento culposo do apelante e a ofensa à integridade pessoal da vítima desvenda-se demonstrando à suficiência.
9. A idéia de fato fortuito ou força maior em nada se harmoniza com a situação aqui reproduzida, porque a manifesta incúria do apelante na conservação do local não assume ares de imprevisibilidade e inevitabilidade, delineados no art. 1.058 do CC.
Descabe, outrossim, raciocinar sobre a circunstância de antes não ter havido algum acidente naquela escadaria. O desleixo foi tamanho que só após a desgraça da autora o réu vislumbrou os riscos da má conservação e segurança.
10. Finalmente, os reais motivos do desastre não admitem discernir a respeito da regularidade da construção da escada.
A queda está explicada de maneira incontrovertível, nada pesando de tecnicamente regular ou não a edificação do prédio, à luz das posturas municipais. Nesse ponto nada mais elucidativo do que o laudo do perito judicial.
11. À vista dessas considerações, nega-se provimento à apelação do réu, provendo-se em parte a da autora.
THEODORO GUIMARÃES, vencido, com a seguinte declaração de voto: Dissenti,data venia , da douta maioria, pelos motivos abaixo expostos:
Restou claro que, além dos defeitos notados na escada (degrau desbeiçado, piso escorregadio, ainda que com os sulcos existentes, mas que não exercem a função de antiderrapantes), ela não dispõe de proteção lateral (guarda-corpo), o que a torna perigosa e se constitui, para mim, em boa parte da causa do acidente.
É evidente que, se a escada possuísse anteparos laterais, a autora não teria caído lá de cima cá em baixo (mais ou menos 3 metros de altura). Teria, no máximo, escorregado nos degraus, escada abaixo. A mantença dessa lacuna configura negligência por parte do réu, que deixa uma escada assim perigosa ao uso dos clientes e do público em geral, em que pese a atenuante de estar construída em moldes legais e não ter dado causa a evento quejando com os milhares de pessoas que a galgam, diária e continuamente.
Do acidente resultaram inegáveis danos físicos à autora, como atestam as próprias testemunhas, e, em decorrência deles, danos patrimoni ais, tanto assim que os documentos de f. atestam que ela não se encontra no pleno exercício de suas funções naqueles nosocômios (Sepaco e Maternidade de V. Nova Cachoeirinha, respectivamente).
Mas esses danos físicos não a incapacitam, totalmente, para o trabalho, como querem os peritos fazer crer e foi aceito pela sentença, e tanto assim que ela está trabalhando, se bem que com o esforço acima do normal, para compensar sua deficiência física resultante da queda.
Entendo que, por analogia à lei acidentária, deva essa incapacidade ser estimada em 40%.
Assim, reduzo a indenização mensal, pelos danos físicos, para o valor de 40% sobre a soma dos seus maiores ganhos, no ano anterior à queda, nos três hospitais em que ela trabalha, na forma da sentença.
Por outro lado, reconheço culpa concorrente na atitude da autora, ao subir uma escada (que ela mesmo considera muito perigosa) sem valer-se dos mainéis (corrimãos ou corrimões), o que consubstancia grave ausência de cautela. Se existe corrimão, é para ser usado. Se a escada é perigosa, com muito mais razão!
Ainda mais por ser mulher, que, normalmente, carrega bolsa, anda de salto alto etc.
E,data maxima venia , não só "as pessoas idosas ou acometidas de dificuldade físicas e mentais" os utilizam.
Qualquer pessoa deve utilizá-los, se a escada for perigosa.
Tenho dificuldade em compreender a conclusão, para mim simplista, de que, mesmo que a autora se tivesse agarrado ao corrimão, teria caído lá embaixo, só porque a escada não tinha "guarda-corpo".
Se essa atitude jamais evitasse tal queda, então para que servem os mainéis, mesmo aos idosos ou deficientes?
É apodítico que o corrimão evita ou reduz as conseqüências da grande maioria dos acidentes em escadas.
Logo, a culpa deve ser atribuída, meio a meio, para cada qual das partes. Assim, o Banco, a meu ver, só teria que pagar a metade do que foi apurado à guisa de sua condenação, em execução.
No âmbito do recurso da autora, concedi-lhe também indenização pelos lucros cessantes(o que ela deixará de ganhar -dano patrimonial- no Sepaco e na Maternidade de V. N. Cachoeirinha), até a data provável de sua aposentadoria por tempo de serviço; além disso, dilatava para os 70 anos o dies ad quem da indenização pelos danos físicos , caso ela viva até lá (não se pode dar, como quer o ínclito 2.º Juiz, verba vitalícia, porque não foi pedida). Essa indenização recairia sobre a diferença entre o que ela ganha e o que ganharia, se estivesse no pleno exercício de suas funções, nesses dois nosocômios.
Quanto às futuras despesas de tratamento, não as concedia, porque o pedido inicial foi bem explícito: "As despesas que despendeu com seu tratamento" .
Custas a serem repartidas.
Relativamente aos honorários, cada parte ficaria responsável pela verba do seu causídico.
Friso que o Banco só teria que pagar metade da indenização dos danos físicos, do dano patrimonial (lucros cessantes), e das despesas feitas com tratamento e das custas processuais (estas duas em reembolso).
Por isso, dava provimento parcial a ambos os recursos.
2.1. ORIGEM E CONCEITO
A palavra "responsabilidade" é a evolução do vocábulo latino re-spondere, que tem como significado o conceito de segurança, restituição ou compensação. Desta forma, teria o sentido de obrigação de restituir ou ressarcir. Assim expõe Carlos Roberto Gonçalves (1995, p. 15).
A responsabilidade civil começa a ser delineada no direito românico, mais especificamente com a Lei de Áquila, que exprimia um princípio regulador da obrigação de reparar o dano. O que se constata de absurdo na referida norma eram os casos elencados nos quais a composição entre as partes dava-se de forma obrigatória, eximindo o pretor do julgamento.
Contudo, o direito francês, no código napoleônico, lapidando o germe românico, foi que estabeleceu, de maneira límpida e cristalina, o princípio geral da responsabilidade civil. Entre as inovações francesas, constatava-se o abandono à obrigatoriedade de acordo e o direito à reparação sem que houvesse culpa.
Nas palavras de Maria Helena Diniz (2005, p. 29), responsabilidade civil é definida como:
[...] a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.
Desta forma, temos que a responsabilidade civil é a obrigatoriedade de ressarcir os danos – estes de qualquer esfera – a quem os sofreu, independente se quem o originou tenha agido ilícita (culpa) ou licitamente (nos casos da responsabilidade objetiva).
2.2. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA
Várias são as classificações da responsabilidade civil no direito moderno. De acordo com Diniz (2005, p. 94), tem-se:
Quanto ao seu fato gerador: Responsabilidade contratual, se oriunda de inexecução contratual, Responsabilidade extracontratual, se resultante da violação de um dever geral de abstenção pertinente aos direitos reais ou de personalidade; Em relação ao seu fundamento: Responsabilidade subjetiva, fundada na culpa ou dolo por ação ou omissão, lesiva a determinada pessoa, Responsabilidade objetiva, se encontra a sua justificativa no risco; Relativamente ao agente: Responsabilidade direta, se proveniente da própria pessoa imputada – o agente responderá então por ato próprio, Responsabilidade indireta, se promana de ato de terceiro, vinculado ao agente, de fato de animal ou de coisa inanimada sob sua guarda. (não se registram grifos no original).
A responsabilidade civil do Estado é extracontratual, pois emana de lei; indireta, pois este responde pelos atos de seus agentes; e objetiva, pois se funda no risco das atividades estatais, como no caso da presente pesquisa, na função legislativa. Assim sendo, este trabalho delimita-se, tão-somente, à responsabilidade civil objetiva, vez que esta trata da responsabilização direta do Estado, caso sejam preenchidos os requisitos necessários a sua caracterização.
Hodiernamente, a responsabilidade aquiliana(*relativo a Áquila), também designada como extracontratual, não se encontra vinculada à idéia da culpa. É responsabilidade objetiva, que tem como sustentáculo o risco assumido ou criado, a necessidade de repartição dos prejuízos ou a necessidade social de equilibrar direitos e interesses, em contraposição à responsabilidade civil subjetiva, na qual é imprescindível a existência de dolo ou culpa do agente da conduta.
Segundo preleciona Gonçalves (1995, p. 18), a responsabilidade objetiva não exige prova de culpa do agente para que este seja obrigado a reparar o dano, já que em alguns casos ela é presumida pela lei [01], e, em outros, a culpa é prescindível. Segundo o citado jurista, é suficiente o nexo de causalidade entre o evento danoso e o dano aferido.
Para determinar a responsabilidade civil, são necessários certos pressupostos, que se dividem em comuns e especiais. Os comuns, que devem se fazer presentes tanto na modalidade objetiva quanto na subjetiva, cristalizam-se na conduta, na imputabilidade, no dano moral ou patrimonial indenizável, e, por fim, no nexo de causalidade. Os pressupostos especiais, para a configuração da teoria subjetiva, perfazem-se no dolo ou na culpa do agente. Esses mesmos pressupostos, para a teoria objetiva, são evidenciados na previsão legal, na abrangência da ocorrência do dano no risco da exploração de atividade, ou, ainda, na infringência ao princípio da equânime (*igualdade) distribuição dos ônus e encargos públicos.
Objetivando um melhor entendimento do esposado, passa-se à análise dos enunciados pressupostos.
2.2.1. Pressupostos Comuns
Conduta é todo ato humano, comissivo (*que resulta de uma só ação) ou omissivo (*ato de se omitir), lícito ou ilícito, voluntário ou objetivamente imputável (*atribuir) ao agente ou a terceira pessoa que por este é responsável. Diniz (2005, p. 32) corrobora tal entendimento, esclarecendo tal definição:
A ação, fato gerador da responsabilidade, poderá ser lícita ou ilícita. A responsabilidade decorrente de ato ilícito baseia-se na idéia de culpa, e a responsabilidade sem culpa funda-se no risco, que se vem impondo na atualidade, principalmente ante a insuficiência da culpa para solucionar todos os danos. O comportamento do agente poderá ser uma comissão ou uma omissão. A comissão vem a ser a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se. [...] Deverá ser voluntária no sentido de ser controlável pela vontade a qual se imputa o fato, de sorte que excluídos estarão os atos praticados sob coação absoluta; [...]
Em acréscimo ao comentário retro, a omissão, para o direito, somente será proeminente quando importar na inobservância de um dever de agir.
Imputabilidade é a probabilidade de uma determinada conduta ser conferida a alguém. Para que isso se concretize, mister (*necessário) se faz que esta conduta (ação ou omissão) tenha origem em um ato de vontade livre e capaz. É o que vem exposto no Código Civil Brasileiro em seus arts. 186 e 187. Pactua com esta idéia Gonçalves (1995, p. 10) ao apontar:
Para que alguém pratique um ato ilícito e seja obrigado a reparar o dano causado, é necessário que tenha capacidade de discernimento. Em outras palavras, aquele que não pode querer e entender, não incorre em culpa e, ipso facto, não pratica ato ilícito.
Apresentam-se como excludentes à imputabilidade a menoridade e a demência mental (segundo dispõem o art. 934 do CC). Nestas situações, os responsabilizados serão os pais ou tutores, em virtude da culpa in vigilando. M. H. Diniz (2005, p. 38) adiciona às excludentes já listadas a anuência da vítima, o exercício normal de um direito, a legítima defesa e o estado de necessidade. Odoné Serrano Júnior (1995, p. 25) acrescenta ainda embriaguez fortuita e completa, onde responsabilizados serão os que provocaram o estado de inconsciência no agente. Nas pessoas jurídicas, a imputabilidade se dará pela manifestação dos atos de seus gerentes, já que por eles é que se externa sua vontade e conduta.
Dano é caracterizado por Carnelutti (apud GONÇALVES, 1995, p. 390) como "uma lesão de interesse". É pressuposto imprescindível à responsabilidade civil, pois, se não houver o que reparar ou o que ressarcir, não existirá obrigação. Para Agostinho Alvim (apud GONÇALVES, 1995, p. 390):
[...] dano, em sentido amplo, vem a ser a lesão de qualquer bem jurídico, e aí se inclui o dano moral. Mas, em sentido estrito, dano é, para nós, a lesão do patrimônio; e patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro. Aprecia-se o dano tendo em vista a diminuição sofrida no patrimônio. Logo, a matéria do dano prende-se a da indenização, de modo que só interessa o estudo do dano indenizável.
Deste modo, pelos ensinamentos colacionados, infere-se que dano é toda a diminuição ou destruição de um bem jurídico patrimonial ou moral pertencente a uma pessoa.
Seguindo os ensinamentos do supracitado autor, o dano que se relacione à obrigação ressarcitória, deve ser indenizável e, para tanto, deve atender a alguns requisitos, a saber: deve corresponder a um bem da vítima que seja juridicamente tutelado; deve ser ilegítimo, isto é, quem o sofreu não possuía o dever jurídico de suportá-lo; deve ser certo (ter existência concreta), podendo ser atual ou futuro; e deve, ainda, subsistir ao momento da reclamação do lesado.
Augusto do Amaral Dergint (apud SERRANO JUNIOR, 1995, p. 27) observa que, no que pertine aos atos lícitos – como os atos legislativos, que gozam de presunção de legalidade –, averiguam-se, ainda, duas outras características do dano, que se perfazem na especialidade e na anormalidade. Especificando, dano especial é aquele que alcança somente determinado indivíduo ou grupo de indivíduos, e não a coletividade ou classe genérica e abstrata de pessoas. Dano anormal, por sua vez, é aquele que supera os agravos corriqueiros que a vida em sociedade apresenta.
O nosso Código Civil, em seus arts. 186 e 927, que tratam do tema, não se dispôs a delinear nenhuma espécie de dano. Entretanto, o art. 76 do Código de Processo Civil dispõe que, para o exercício do direito subjetivo de ação, é mister que se faça presente interesse econômico ou moral. Por este motivo, para que haja responsabilidade civil, imprescindível que se tenha a presença de dano indenizável que justifique o solicitado pelo mencionado dispositivo do Codex Processual.
Várias são as classificações dadas ao dano, entre as quais se fazem presentes: dano contratual e dano extracontratual; dano patrimonial e não-patrimonial (dano moral); dano emergente e lucro cessante; dano ex delicto; dano direto e dano indireto; dano infecto ou receado; dano iminente; dano in contrahendo; citando apenas as modalidades mais importantes. No presente estudo, serão analisados somente os pertinentes ao objeto em foco.
Dano patrimonial é o que importa em uma lesão ao patrimônio, que é "uma universalidade jurídica constituída pelo conjunto de bens de uma pessoa" (DINIZ, 2005, p. 51). A desigualdade aferida entre o valor do patrimônio da vítima antes e depois do dano é o valor a ser indenizado, consubstanciando o valor do dano patrimonial. Subdivide-se em duas categorias: dano emergente e lucro cessante. Em sucintas palavras, dano emergente é o que a vítima efetivamente perdeu e lucro cessante é o que ela deixou de auferir.
Dano moral é aquele causado por lesão a interesse não patrimonial, tanto de pessoa física quanto jurídica. Afeta a esfera moral da pessoa, sua órbita espiritual, impingindo-lhe tristeza, dor e constrangimentos. Desmembra-se em direto, que consiste na "lesão de um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contidos no direito a personalidade" (DINIZ, 2005, p. 68), como, v.g., a vida, a liberdade e a honra; e indireto, que advém de um prejuízo patrimonial que reverbera na esfera moral do indivíduo. Exemplificando a situação anterior, têm-se as dores oriundas da perda de um objeto de valor afetivo.
Hodiernamente, óbices não se impõem à cumulação do dano moral ao material, já que nossa Carta Magna autoriza tal situação no art. 5º, incisos V, X e XLIX.
Nexo causal é o vínculo, a relação entre o dano e a conduta do agente. Demogue, citado por Pereira (2000, p. 75), conceitua com precisão o requisito ora estudado: "é preciso esteja certo que, sem este fato, o dano não teria acontecido. Assim, não basta que uma pessoa tenha contravindo a certas regras; é preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorreria".
É elemento de inexorável constatação, tanto para a responsabilidade objetiva quanto à responsabilidade subjetiva.
Faz-se oportuno salientar as diversidades entre a imputabilidade e nexo causal. Ambos diferem-se pelas suas respectivas construções. O nexo causal se edifica em elementos objetivos, que "indicam ter determinado dano patrimonial e/ou moral sido produzido por uma conduta do responsável (ou de agente seu) ou ter sido decorrência de um fato implícito à atividade de risco por ele explorada" (SERRANO JUNIOR, 1995, p. 31). A seu turno, a imputabilidade alicerça-se em elementos subjetivos, que facultam ao agente a realização de determinada conduta, em face deste mesmo ter agido com discernimento e voluntariedade.
Como a imputabilidade, o nexo causal comporta causas excludentes, que são os seguintes: caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro. De forma concisa, caso fortuito não é conhecido e se caracteriza por sua imprevisibilidade. Na seara da responsabilidade subjetiva, afasta o dever de indenizar. O caso fortuito não descaracteriza o nexo causal nos casos abrangidos pela exploração do risco.
A força maior, por sua vez, alberga causas conhecidas, mas irreversíveis, invencíveis pela força humana. Ela é exterior à atividade do agente.
A culpa da vítima, a seu turno, vem a mitigar ou até excluir a responsabilidade civil, pois a própria vítima – que é o indivíduo prejudicado – ou é o causador do eventus damni, ou concorreu para a sua ocorrência. Quando o lesado deu causa ao evento danoso, a mais ninguém se pode atribuir o encargo de suportar o dano, vez que nenhuma outra pessoa interveio no processo causal. Quando ele concorre para a execução deste evento, responderá na proporção em que tenha participado para que o dano ocorresse.
Por fim, o fato de terceiro é aquele provocado por outrem, que é "qualquer pessoa além da vítima ou do agente" (DINIZ, 2005, p. 79). Desta maneira, se a ação de terceiro resultou no dano, será ele o responsável por sua reparação.
2.2.2. Pressupostos Especiais
Culpa, nos dizeres de Diniz (2005, p. 34) é:
[...] em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever.
Sendo assim, infere-se que não se faz necessário a intenção do agente em causar o dano para que reste caracterizada sua responsabilidade civil, bastando, para tanto, que sua conduta seja reprovável e censurável.
A constatação da culpa do agente é imprescindível para a caracterização da responsabilidade civil subjetiva.
Como manifestado na conceituação acima transcrita de Diniz, a culpa classifica-se em lato sensu e stricto sensu. Se a conduta danosa quedou realizada com deliberada manifestação de vontade, esta mesma conduta foi dolosa (culpa lato sensu). O Professor Caio Mário da Silva Pereira (2000, p. 65) também conceitua o dolo como culpa consciente. A culpa, em seu caráter stricto sensu, na lição de Aguiar Dias, citado por Pereira (2000, p. 69) é:
[...] falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais da sua atitude.
Portanto, tem-se que a culpa é a inobservância dos preceitos legais, nas modalidades da imperícia, imprudência e negligência. A imperícia é a falta de habilidade ou aptidão para a realização de certa ação. Imprudência é o ato de agir sem tomar as devidas cautelas. A negligência, finalmente, é o desrespeito às normas que ordenam o agir com atenção, capacidade, solicitude e discernimento.
Várias são as classificações adotadas para a culpa, tendo como elemento distintivo a natureza e extensão do instituto. Partindo-se deste pressuposto, pode-se falar de culpa lata, levíssima e leve; de culpa contratual e extracontratual (aquiliana); culpa in vigilando, culpa in eligendo e culpa in custodiendo; culpa in committendo e in omittendo; culpa in concreto e culpa in abstracto; culpa exclusiva e culpa concorrente; e, por fim, de culpa presumida.
A única classificação que interessa a presente pesquisa, por sua pertinência ao cerne do tema – e elemento imprescindível para a configuração da responsabilidade estatal –, é a culpa extracontratual ou aquiliana, que resulta da violação do dever fundado na transgressão da lei ou de um princípio geral do direito, vez que "não há responsabilidade sem culpa, exceto disposição legal expressa, caso em que se terá responsabilidade objetiva" (DINIZ, 2005, p. 34).
Do até o momento estudado, infere-se que será sempre ilícito o fato que der ensejo à responsabilidade civil subjetiva, o que não ocorre na responsabilidade objetiva, que pode ter como gerador tanto ato ilícito quanto lícito, como explicitado adiante será.
Findado este breve estudo da culpa, apresenta-se como elucubração que, para a configuração da responsabilidade civil subjetiva, perfaz-se necessário, além da demonstração do liame causal entre a conduta do agente e o evento danoso, a prova da culpa deste último.
Este é o princípio da teoria da responsabilidade subjetiva, que se encontra alicerçada na culpa. Contudo, hipóteses existem em que a teoria da responsabilização subjetiva não se mostra satisfatória à resolução da situação, no que concerne à indicação do responsável pelo ato ilícito.
Nesses casos em que a teoria subjetiva seja incapaz, utilizada será a teoria da responsabilidade objetiva. Muitos são os pressupostos especiais pertinentes à responsabilização objetiva, como, v.g, o risco da exploração de uma atividade perigosa; a responsabilização do patrão ou comitente pelos atos danosos de seu empregado ou preposto; em benefício dos hipossuficientes; queda de coisa de uma casa ou seu lançamento em lugar indevido; pagamentos de cheque falsificado por banco; atos praticados no exercício de certos direitos; pela teoria do dano objetivo, além de outros observados na doutrina e na jurisprudência.
No presente trabalho, apresentados serão somente os pressupostos especiais pertinentes ao objeto ora estudado, a saber: a existência de previsão legal, abrangência da ocorrência do dano nos riscos da exploração da atividade lesiva e a infringência ao princípio da equânime distribuição dos ônus e encargos públicos.
Aqui se encontra o supedâneo da responsabilização do Estado pelos atos legislativos que edita. Nesse pressuposto, que concretiza forma de responsabilização excepcional, a responsabilidade deriva de manifesta previsão legal. Havendo dano indenizável, nexo causal entre este dano e o agente indigitado em lei como responsável, cristalizada estará a responsabilidade objetiva deste agente, que resta obrigado ao adimplemento da indenização.
No que concerne à ocorrência do dano estar abrangida nos riscos da exploração da atividade lesiva, trata-se de auto-explicação. Pormenorizando, se o fato danoso, mesmo que gerado sem culpa, for compreendido nos riscos que o agente assume quando na exploração de atividade com potencial lesivo, exsurge seu dever de reparação.
Por fim, a infringência ao princípio da equânime distribuição dos ônus e encargos públicos apregoa que, mediante o princípio da isonomia, todos são iguais perante a lei. Destarte, quando um indivíduo ou uma determinada classe genérica de indivíduos é obrigada a suportar certos ônus impostos pelo Estado, compreendidos também os atos legislativos, deve(m) ser ressarcido(s), vez que, para o bem da sociedade como um todo, um ou uma pequena parcela de contribuintes quedou lesada.
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NOVA LEI DE PRISÃO EM FLAGRANTE
O novo auto de prisão em flagrante (LEI Nº 11.113/2005)
O art. 1º da Lei 11.113 de 13/05/2005, publicada em 16/05/2005, estabeleceu nova redação ao caput e ao § 3º do art. 304 do CPP, que, após 45 dias de sua publicação, passarão a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto.
§ 3º Quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas, que tenham ouvido sua leitura na presença deste." (NR)
A primeira alteração trazida pela nova lei foi a colheita imediata do depoimento do condutor através de termo de depoimento, no qual deverá a autoridade policial colher desde logo a assinatura do mesmo. O objetivo dessa alteração foi o de liberar o policial responsável pela prisão em flagrante, que, no sistema atual, tem que permanecer na delegacia até o final do interrogatório do conduzido, o que na maioria das vezes demora várias horas.
O fato de o Auto de prisão em flagrante, no sistema atual, ser peça corrida, assinada só ao final, traz enormes inconvenientes para a atividade policial, tanto investigatória, quanto preventiva, vez que retira o policial de sua atividade rotineira por longo período de tempo, impedindo, por exemplo, que o Policial Militar exerça sua atividade preventiva por um período do dia, deixando alguma região desguarnecida, ou impedindo que o Policial Civil exerça outras atividades investigatórias enquanto não terminar a lavratura do auto de prisão em flagrante.
Assim, no novo sistema, ouve-se o condutor, entregando ao mesmo cópia do termo e recibo de entrega do preso.
Também significativa a alteração em relação à oitiva das testemunhas e interrogatório do conduzido, vez que na nova redação, as assinaturas serão feitas ao final de cada oitiva, o que implica em dizer que o depoimento das testemunhas e o interrogatório do conduzido não farão parte de uma mesma peça.
Realizadas todas as oitivas, diz a nova redação do art. 304, caput, CPP, que após as oitivas, lavrará "a autoridade, afinal, o auto". Muitas interpretações surgiram sobre o objeto deste novo auto de prisão em flagrante, parecendo-nos, em primeira análise, que será neste auto que a autoridade policial confirmará a prisão efetuada pelo condutor.
Assim, neste novo auto, parece-me que a autoridade policial deverá narrar de forma resumida os fatos, fazendo juízo prévio de existência de crime em tese, imputável ao conduzido, quando mandará recolhe-lo à prisão (art. 304, § 1º, CPP).
Quem assinará o novo auto de prisão em flagrante ?
A alteração do art. 3º do art. 304, CPP deixa claro que o conduzido deverá assinar o auto de prisão em flagrante, ao contrário do condutor e das testemunhas da infração.
Assim, em primeira análise, parece-me que o novo auto de prisão em flagrante deve ser subscrito por escrivão de polícia e assinado pela autoridade policial e pelo conduzido, sem as assinaturas do condutor ou das testemunhas da infração.
Não é demais lembrar, entretanto, que o § 2º do art. 304, CPP, não alterado pela Lei 11.113/2005, estabelece que na falta das testemunhas da infração, deverão assinar o auto de prisão em flagrante "pelo menos duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade".
Portanto, se não tiverem sido ouvidas testemunhas da infração, o auto deverá ser subscrito por escrivão de polícia e assinado pela autoridade policia, pelo conduzido e pelas testemunhas de apresentação do conduzido.
Comunicação da Prisão em flagrante
Via de regra, lavrado o auto de prisão em flagrante, compete à autoridade policial comunicá-la ao Juiz, inclusive para permitir a verificação das hipóteses do art. 310 e Parágrafo Único, CPP, e esta comunicação é feita enviando-se ao Magistrado cópia do auto respectivo.
Com a modificação do art. 304 do CPP e esvaziamento do auto de prisão em flagrante, parece-me mais adequado que além do auto de prisão em flagrante, também sejam encaminhadas todas as oitivas colhidas, como forma, inclusive, de dar maiores subsídios ao Juiz para decidir sobre legalidade matéria e formal da prisão.
Instauração de Inquérito Policial por prisão em flagrante
É cediço que na hipótese de prisão em flagrante, o auto era considerado como um dos instrumentos através do qual se iniciava o inquérito policial. Assim, havendo prisão em flagrante a primeira peça do mesmo era o auto respectivo. Ocorre que com a nova redação do art. 304, caput, CPP, havendo prisão em flagrante, a primeira peça do inquérito será o depoimento do condutor, e não mais o auto que só virá ao final de todas as oitivas.
________________________________________
Do Acusado
A Lei 11.113/2005, ao estabelecer as novas redações do caput e do § 3º do art. 304 do CPP, perdeu importante oportunidade de corrigir a impropriedade das redações originais que se referiam ao conduzido como "acusado".
Durante o inquérito policial não há que se falar em contraditório e ampla defesa, pois se trata de procedimento inquisitivo em que o conduzido não figura como parte. Somente depois da acusação é que surge a figura do acusado, ou seja, somente após o oferecimento da denúncia ou queixa.
Infelizmente, as novas redações mantiveram o termo "acusado".
O art. 1º da Lei 11.113 de 13/05/2005, publicada em 16/05/2005, estabeleceu nova redação ao caput e ao § 3º do art. 304 do CPP, que, após 45 dias de sua publicação, passarão a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto.
§ 3º Quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas, que tenham ouvido sua leitura na presença deste." (NR)
A primeira alteração trazida pela nova lei foi a colheita imediata do depoimento do condutor através de termo de depoimento, no qual deverá a autoridade policial colher desde logo a assinatura do mesmo. O objetivo dessa alteração foi o de liberar o policial responsável pela prisão em flagrante, que, no sistema atual, tem que permanecer na delegacia até o final do interrogatório do conduzido, o que na maioria das vezes demora várias horas.
O fato de o Auto de prisão em flagrante, no sistema atual, ser peça corrida, assinada só ao final, traz enormes inconvenientes para a atividade policial, tanto investigatória, quanto preventiva, vez que retira o policial de sua atividade rotineira por longo período de tempo, impedindo, por exemplo, que o Policial Militar exerça sua atividade preventiva por um período do dia, deixando alguma região desguarnecida, ou impedindo que o Policial Civil exerça outras atividades investigatórias enquanto não terminar a lavratura do auto de prisão em flagrante.
Assim, no novo sistema, ouve-se o condutor, entregando ao mesmo cópia do termo e recibo de entrega do preso.
Também significativa a alteração em relação à oitiva das testemunhas e interrogatório do conduzido, vez que na nova redação, as assinaturas serão feitas ao final de cada oitiva, o que implica em dizer que o depoimento das testemunhas e o interrogatório do conduzido não farão parte de uma mesma peça.
Realizadas todas as oitivas, diz a nova redação do art. 304, caput, CPP, que após as oitivas, lavrará "a autoridade, afinal, o auto". Muitas interpretações surgiram sobre o objeto deste novo auto de prisão em flagrante, parecendo-nos, em primeira análise, que será neste auto que a autoridade policial confirmará a prisão efetuada pelo condutor.
Assim, neste novo auto, parece-me que a autoridade policial deverá narrar de forma resumida os fatos, fazendo juízo prévio de existência de crime em tese, imputável ao conduzido, quando mandará recolhe-lo à prisão (art. 304, § 1º, CPP).
Quem assinará o novo auto de prisão em flagrante ?
A alteração do art. 3º do art. 304, CPP deixa claro que o conduzido deverá assinar o auto de prisão em flagrante, ao contrário do condutor e das testemunhas da infração.
Assim, em primeira análise, parece-me que o novo auto de prisão em flagrante deve ser subscrito por escrivão de polícia e assinado pela autoridade policial e pelo conduzido, sem as assinaturas do condutor ou das testemunhas da infração.
Não é demais lembrar, entretanto, que o § 2º do art. 304, CPP, não alterado pela Lei 11.113/2005, estabelece que na falta das testemunhas da infração, deverão assinar o auto de prisão em flagrante "pelo menos duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade".
Portanto, se não tiverem sido ouvidas testemunhas da infração, o auto deverá ser subscrito por escrivão de polícia e assinado pela autoridade policia, pelo conduzido e pelas testemunhas de apresentação do conduzido.
Comunicação da Prisão em flagrante
Via de regra, lavrado o auto de prisão em flagrante, compete à autoridade policial comunicá-la ao Juiz, inclusive para permitir a verificação das hipóteses do art. 310 e Parágrafo Único, CPP, e esta comunicação é feita enviando-se ao Magistrado cópia do auto respectivo.
Com a modificação do art. 304 do CPP e esvaziamento do auto de prisão em flagrante, parece-me mais adequado que além do auto de prisão em flagrante, também sejam encaminhadas todas as oitivas colhidas, como forma, inclusive, de dar maiores subsídios ao Juiz para decidir sobre legalidade matéria e formal da prisão.
Instauração de Inquérito Policial por prisão em flagrante
É cediço que na hipótese de prisão em flagrante, o auto era considerado como um dos instrumentos através do qual se iniciava o inquérito policial. Assim, havendo prisão em flagrante a primeira peça do mesmo era o auto respectivo. Ocorre que com a nova redação do art. 304, caput, CPP, havendo prisão em flagrante, a primeira peça do inquérito será o depoimento do condutor, e não mais o auto que só virá ao final de todas as oitivas.
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Do Acusado
A Lei 11.113/2005, ao estabelecer as novas redações do caput e do § 3º do art. 304 do CPP, perdeu importante oportunidade de corrigir a impropriedade das redações originais que se referiam ao conduzido como "acusado".
Durante o inquérito policial não há que se falar em contraditório e ampla defesa, pois se trata de procedimento inquisitivo em que o conduzido não figura como parte. Somente depois da acusação é que surge a figura do acusado, ou seja, somente após o oferecimento da denúncia ou queixa.
Infelizmente, as novas redações mantiveram o termo "acusado".
NOTÍCIAS ZERO HORA
LEI MARIA DA PENHA
LEI MARIA DA PENHA
LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006.
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
§ 1o O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 2o Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.
Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
TÍTULO II
DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.
CAPÍTULO II
DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER
Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
TÍTULO III
DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CAPÍTULO I
DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO
Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:
I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;
II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;
III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;
IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;
V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;
VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;
VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;
VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.
CAPÍTULO II
DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
§ 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.
§ 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:
I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;
II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
§ 3o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.
CAPÍTULO III
DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL
Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.
Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:
I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;
III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;
IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.
Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;
II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;
III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;
IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;
V - ouvir o agressor e as testemunhas;
VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;
VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.
§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:
I - qualificação da ofendida e do agressor;
II - nome e idade dos dependentes;
III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.
§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.
§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.
TÍTULO IV
DOS PROCEDIMENTOS
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.
Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:
I - do seu domicílio ou de sua residência;
II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;
III - do domicílio do agressor.
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.
CAPÍTULO II
DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
Seção I
Disposições Gerais
Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:
I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;
II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;
III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.
Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.
§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.
§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.
Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.
Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.
Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.
Seção II
Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).
Seção III
Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.
CAPÍTULO III
DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:
I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;
II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;
III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
CAPÍTULO IV
DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.
Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.
TÍTULO V
DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR
Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.
Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.
Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.
Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
TÍTULO VI
DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.
Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.
TÍTULO VII
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 34. A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária.
Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:
I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;
II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;
III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;
IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;
V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.
Art. 36. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei.
Art. 37. A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.
Parágrafo único. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o ajuizamento da demanda coletiva.
Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.
Parágrafo único. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça.
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.
Art. 40. As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados.
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:
“Art. 313. .................................................
................................................................
IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR)
Art. 43. A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 61. ..................................................
.................................................................
II - ............................................................
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;
........................................................... ” (NR)
Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 129. ..................................................
..................................................................
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
..................................................................
§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR)
Art. 45. O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 152. ...................................................
Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.” (NR)
Art. 46. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação.
Brasília, 7 de agosto de 2006; 185o da Independência e 118o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Dilma Rousseff
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.8.2006
LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006.
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
§ 1o O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 2o Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.
Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
TÍTULO II
DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.
CAPÍTULO II
DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER
Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
TÍTULO III
DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CAPÍTULO I
DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO
Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:
I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;
II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;
III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;
IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;
V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;
VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;
VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;
VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.
CAPÍTULO II
DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
§ 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.
§ 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:
I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;
II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
§ 3o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.
CAPÍTULO III
DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL
Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.
Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:
I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;
III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;
IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.
Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;
II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;
III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;
IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;
V - ouvir o agressor e as testemunhas;
VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;
VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.
§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:
I - qualificação da ofendida e do agressor;
II - nome e idade dos dependentes;
III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.
§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.
§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.
TÍTULO IV
DOS PROCEDIMENTOS
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.
Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:
I - do seu domicílio ou de sua residência;
II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;
III - do domicílio do agressor.
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.
CAPÍTULO II
DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
Seção I
Disposições Gerais
Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:
I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;
II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;
III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.
Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.
§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.
§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.
Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.
Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.
Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.
Seção II
Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).
Seção III
Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.
CAPÍTULO III
DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:
I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;
II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;
III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
CAPÍTULO IV
DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.
Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.
TÍTULO V
DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR
Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.
Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.
Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.
Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
TÍTULO VI
DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.
Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.
TÍTULO VII
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 34. A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária.
Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:
I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;
II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;
III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;
IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;
V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.
Art. 36. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei.
Art. 37. A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.
Parágrafo único. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o ajuizamento da demanda coletiva.
Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.
Parágrafo único. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça.
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.
Art. 40. As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados.
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:
“Art. 313. .................................................
................................................................
IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR)
Art. 43. A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 61. ..................................................
.................................................................
II - ............................................................
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;
........................................................... ” (NR)
Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 129. ..................................................
..................................................................
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
..................................................................
§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR)
Art. 45. O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 152. ...................................................
Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.” (NR)
Art. 46. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação.
Brasília, 7 de agosto de 2006; 185o da Independência e 118o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Dilma Rousseff
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.8.2006
CONTRATO
Contrato é um documento resultante de um acordo entre duas ou mais pessoas que transferem uma para outra algum direito ou se sujeitam a alguma obrigação.
Os contratos podem ser:
1. Unilateral ou gratuito: aquele em que só uma das partes se obriga a cumprir algo.
2. Bilateral ou oneroso: aquele em que as partes estabelecem obrigações mútuas.
3. Comutativo: aquele em que a coisa que cada uma das partes se obriga a dar ou fazer equivale à que tem de receber.
4. Aleatório: aquele em que pelo menos uma contraprestação é incerta, pôr depender de fato futuro.
No contrato unilateral ou gratuito, há obrigação de uma só pessoa: depósito, doação, empréstimo, mandato.
No contrato bilateral ou oneroso, duas ou mais pessoas se obrigam: prestação de serviços, fornecimento de material, sociedades comerciais.
Os contratos podem ser:
1. Unilateral ou gratuito: aquele em que só uma das partes se obriga a cumprir algo.
2. Bilateral ou oneroso: aquele em que as partes estabelecem obrigações mútuas.
3. Comutativo: aquele em que a coisa que cada uma das partes se obriga a dar ou fazer equivale à que tem de receber.
4. Aleatório: aquele em que pelo menos uma contraprestação é incerta, pôr depender de fato futuro.
No contrato unilateral ou gratuito, há obrigação de uma só pessoa: depósito, doação, empréstimo, mandato.
No contrato bilateral ou oneroso, duas ou mais pessoas se obrigam: prestação de serviços, fornecimento de material, sociedades comerciais.
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